Doom Metal – por que tão impopular? Ato I – introdução

Após trazer uma boa quantia de matérias tratando dos caminhos que muitas bandas percorreram executando as variadas formas de música pesada, densa, obscura e melancólica. Das quais serviram de alicerce aos que comungam de tal arte musicada destinada à poucos, exatamente por serem poucos os que se aventuram, pairou no ar uma questão: por que o doom metal é tão impopular? De praxe essa pergunta pode ser respondida, por um motivo especial entranhado no âmago do doom metal; o desaceleramento musical, atípico nos demais estilos metálicos, mas isso preenche apenas uma parte da lacuna, então o que mais contribui para a impopularidade do estilo? É o que tentarei responder mergulhando uma vez mais por um mar profundo e absurdamente rico em criatividade, em experimentalismos sem excessos, num estilo musical mais humano.

Se os Black Sabbath foram um dos responsáveis por criar o molde primordial do Heavy Metal, também foram responsáveis por fazer o mesmo com o Doom Metal, isso fica comprovado na faixa que abre seu debut homônimo, o ineditismo de um sampler emulando o som de chuva, riffs densos, pesados e macabros, também inéditos, toda a estrutura da música lenta e densa é alicerçada naquele fevereiro de 1970. Seus conterrâneos Black Widow vinham adorando o diabo, assim como os estadunidenses Coven, com sonoridades tipicas pra época, características, sem peso, a letra de Black Sabbath segue um caminho diferente, trata do horror em se deparar com a besta, o fardo para um homem comum em descobrir que é o “escolhido”, suponhamos que edificado nos conceitos cristãos e atormentado por seu infortúnio como um consorte do demônio, uma sagaz referência a condição humana, à danação, à condenação de nossas almas, o total descontrole da nossa consciência, da nossa existência, da nossa humanidade, o motivo de criarmos deuses e demônios, a nossa dualidade para equiparar a dualidade do Universo, assim foi forjado o tema primordial do que seria o doom metal, um mergulho no mais profundo abismo de nossas almas, dos nossos tormentos, medos, de nossa angústia. O mais incrível é que essa proposta não foi tão bem recebida na época, e hoje, é adorada, mesmo que muitos não tenham notado ao que se referia aquilo. É exatamente esse um dos cernes da questão, a complexidade abordada no doom metal (mesmo que não seja uma regra) aliada ao som soturno e lúgubre, o que talvez distancie muitos, o que os iniba de tentar absorver algo. Temos um costume no Brasil que sempre busca o mais prático, além do roque em geral nunca ter erguido uma bandeira universal dos “pensadores diferenciados”, por mais que o punk tenha tentado incutir um som politizado, sabemos que segue marginalizado e que muitos adeptos se aproximam mais pelo som do que pelos ideais. Seja pelo fato da precaridade educacional em relação as letras em inglês, seja o simples ato de bater cabeça no ritmo de um som selvagem, o roque em geral é mais uma questão musical estética, se diferenciar da massa, se rebelar contra quem for, eis um dos motivos qual o gosto por doom metal não aflora na fase adolescente dos apreciadores de música pesada, seu ritmo não busca a essência selvagem do ouvinte, ele busca esmagar a sua alma, mostrar o quanto o mundo é cruel, o quanto somos atormentados por nossas buscas, por nossos desejos, vícios, paixões, escancara a nossa impotência, a nossa pequenez, é um estilo musical honesto, não busca te alimentar de esperanças vis, foi forjado no sofrimento, na dor, não teria motivo algum para lhe trazer flores e belas palavras. O doom metal é a descrição do infortúnio da espécie humana!

Sabbath também tratou fortemente do vício em drogas, as drogas estão intimamente ligadas à música pesada, vinculada à muitos movimentos artísticos, ao mesmo tempo que pode ajudar na inspiração de uma obra, pode destruir por completo uma vida, é impossível fujir de um conceito dual! The Wizard, Sweet Leaf, são claras alusões ao consumo de entorpecentes, também se dedicou a falar sobre as dificuldades do amor, de um relacionamento com outra pessoa como em NIB e Paranoid, de uma forma desesperadora em Solitude. Na década de 90, temas românticos ganhariam um peso gritante com as bandas de death/doom melancólicas da Inglaterra e Escandinávia, o que moldaria uma nova forma de se fazer música densa. O culto às drogas retornaria com tudo no boom do stoner/doom, de meados dos anos 2000 até a atualidade. Volume 4 marca uma outra postura da banda, um amadurecimento rápido e consequentemente, uma atmosfera de arrependimento, dor, desolação, abandono toma conta de toda a obra, mas sem deixar de criar alguma esperança. É dessa humanidade que o doom metal é feito, da nossa capacidade de seguir como errante, se contentar com curtos espaços de alegria e felicidade, de conviver com o marasmo da existência, se arrastar em busca de algo que você ainda não sabe, de algo sem sentido, esse teor tétrico, oculto, amedrontador, essa fagulha de vida é o que impulsiona a continuar seguindo.

Mas se as ideias nem funcionam tanto assim pra quem só se interessa pelo som, qual outra coisa pode causar algum impacto? A resposta é simples – a estética visual! O doom metal nunca estabeleceu uma forma de se vestir, talvez até em função da sua não popularidade, isso fica fácil de entender se você notar como as pessoas se vestem num fest punk, thrash ou de black metal. Moicanos, símbolos do ideal anárquico espalhados por todo canto, coletes com patches, boné de aba reta, tênis de “astronauta”, crucifixos invertidos, pentagramas, cinto de bala, são padrões seguidos quase a risca pelos mais maniacos entre os estilos citados, completamente diferente do que ocorre num fest de doom metal. Isso tem um motivo, até o fim dos anos 80, poucas bandas faziam doom metal, Death Row (Pentagram) e Paul Chain até tentaram alguma coisa no que se refere a estética visual.

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Death Row
Paul Chain Violet Theatre

A diferença entre as duas bandas é bem visível (ou seja, não seguiam um padrão), Paul Chain manteve sua teatralidade por mais tempo. Mesmo assim, nenhuma das duas bandas atingiu o grande público de sua época.

Candlemass seria um pouco mais sagaz nesse quesito, além duma “logomarca”, a eloquência e carisma de Messiah como um monge ocidental a frente da banda faria uma certa diferença. Seu som ainda não era muito bem aceito naquele tempo, o que mudaria o destino deles seria um show no Dynamo Open Air 88 ao lado de bandas mais aceleradas, conseguiram ganhar o público os fazendo cantar junto músicas dos 2 primeiros discos. O caminho pros Candlemass seria menos difícil.

Saint Vitus e Trouble não se preocupavam com a sua estética visual, pareciam mais roqueiros encardidos sem muita pretensão pra nada, um pouco de couro, nada de braceletes, calças apertadas e afins.

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Saint Vitus
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Trouble

Nem estética, nem contatos com gente influente na mídia fonográfica, o doom metal 80’s não se tornou hype, não virou tendência, era um estilo “apagado”, jogado às traças, nenhumas dessas 5 bandas apresentam fortes semelhanças, a não ser a timbragem grave e o desaceleramento. Um estilo realmente condenado, ao fracasso, ao esquecimento, a duras penas essas 5 bandas sobreviveram, até mesmo os Candlemass capengaram após brigas internas e novos horizontes sonoros.

Sobre o que esses filhos bastardos dos Sabbath tratavam em suas músicas? Temos uma vez mais uma marca registrada do doom metal aqui, a total disparidade, nenhumas dessas 5 bandas tratavam do mesmo assunto, algumas tratavam de assuntos mais diversificados, Paul Chain por exemplo, tratava sabe-se lá do que, já que não haviam letras, apenas coisas faladas que só existiam em sua mente. Saint Vitus, claramente retirado de uma música dos Sabbath, Chandler tentava seguir os caminhos de Iommi, porém, com uma dose de ódio e improviso, seus solos mastigados são sua marca registrada, a potência dilaceradora do finado Armando Acosta era de uma maestria invejável, o vocal absurdamente metálico de Reagers cairam como uma luva naquele som borbulhante, agressivo, cortante. Vitus vinha de uma escola punk, rock’n roll com Sabbath, me parece até que os 2 primeiros discos são um tanto renegados por sua rusticidade, por serem metal de mais, diferente do arrastadíssimo Born Too Late, só me resta pena se alguém pensa dessa forma, simplesmente está no lugar errado. Magia, zumbis, psicopatas, e o hino – WAR IS OUR FUCKING DESTINY. Meu deus do céu, puta que pariu, eu amo de mais esse som, tomá no cu!

Uma faixa sabbathica, pesadíssima, banhada no metal tradicional, Vitus tinha sua própria forma de encarar o que era música lenta e densa. Drogas, vícios, sofrimento, vontade de mudança marcam a fase mais desacelerada dos Vitus.

O fantasma maldito que nos atormenta diariamente, o de não se encontrar nesse mundo é escancaradamente exposto na faixa título do 3º disco.

“Every time I’m on the street
People laugh and point at me
They talk about my length of hair
And the out of date clothes I wear

They say I look like the living dead
They say I can’t have much in my head
They say my songs are much too slow
But they don’t know the things I know

I know I don’t belong
And there’s nothing I can do
I was born too late
And I’ll never be like you

In my life things never change
To everybody I seem strange
But in my world now something’s died
So I just stare with these insane eyes”

Pentagram não foi por um caminho tão diferente, pelo menos na parte lírica. Uma faixa que mostra claramente as dificuldades de lidar com o amor, com sua forma de enxergar o mundo, de viver.

“Some people think I’m an advocate of Lucifer
And some say I’m a child of god – yes they do
Some people think I’ve got the nine lives of a cat
And others say I’m filthy as a dog

So you be forewarned
I’m coming after you
About the time I catch up to you
I’ll never
No I’ll never
I’ll never let you go – alright!”

Pentagram perdurou com dificuldade pelos anos 70, mudou de nome, formação, as músicas antigas foram adicionadas aos poucos nos discos que lançaram, reformuladas.

Candlemass resolveu seguir um caminho diferente, seu som trazia melancolia, suas letras cavavam o passado medieval, o lamento sempre impregnado, a magia, a agonia, o sofrimento, o diabólico. Leif Edling foi muito genial, até hoje suas letras carregam uma face bem obscura, catastrófica e realista. A música de (creio eu) maior sucesso – Solitude, reza a lenda foi inspirada por uma paixão não correspondida de Leif, vejam a beleza disso tudo, um fora serviu de base para a criação de um dos maiores hinos da música lenta.

“I’m sitting here alone in darkness
waiting to be free,
Lonely and forlorn I’m crying
I long for my time to come
death means just life
Please let me die in solitude

Hate is my only friend
pain is my father
torment is delight to me
Death is my sanctuary
I seek it with pleasure
Please let me die in solitude

Receive my sacrifice
my lifeblood is exhausted
no-one gave love and understanding
Hear these words
vilifiers and pretenders
and please let me die in solitude

Earth to earth
Ashes to ashes
Dust to dust”

Os Trouble foram por um caminho ainda mais distante, se basearam fortemente na mitologia com mais adeptos no mundo todo – o cristianismo. Alguns cérebros de minhoca os acusam de pregar a palavra cristã, Erick Wagner é assumidamente cristão, porém, uma análise mais aprofundada em suas letras fica evidente do que se trata, como qualquer mitologia, temos a luta do bem contra o mal, então eu lhe pergunto, o que mais atormenta a humanidade senão essas duas forças? Partindo da visão de um crente confrontando com a complexidade do mundo, de suas aspirações, vontades, atitudes e desejos, preso numa crença de que se não fizer como manda seu deus arderá no fogo eterno, é exatamente disso que os Trouble tratam, da danação de um crente, dos riscos que ele corre caso sobrepuje as vontades de seu deus. Além disso, foram um dos pilares dos Candlemass, Leif fez essa afirmativa inúmeras vezes.

“I am the tempter
Ruler of hell
Bringer of evil
Beware

Watch for temptation for it is there
Takes his time but loves to dare
All the people they are losing their minds
He don’t care, takes all kinds
Says love won’t you take a bite
God appears says “this ain’t right”
We are damned for what evil has done
You know now the Tempter has won

I am the one
The almighty
I’ll give you the good things in life
Take me

It is said God tempteth no man
Keep in mind you know he can
Listen to one now this we must
For we are all conceived with lust
The tempter, he taketh you brain
We know now who will reign
God says it bringeth forth sin
Take my word it brings on death

This time you have won
But what about the next
You know I’ll get you 
Bastards

When you are losing your mortal soul
It’s too late to cry to the Lord
Hear me now all you sinners”

Cabe a você mergulhar profundamente nas obras dessas bandas, destrinchar sobre o que versavam, com tanto acesso a informação, é no mínimo, ridículo ficar andando em círculos no gosto musical, isso caso pra você música não seja apenas música. Aqui na SUD, temos várias matérias que poderão te iniciar nesse caminho, tantas bandas que se perderam no tempo e deixaram obras maravilhosas.

No próximo ato abordarei as novas ramificações, os novos temas, o nascimento de uma nova forma de doom metal.


G.Z/SUD

3 comentários sobre “Doom Metal – por que tão impopular? Ato I – introdução

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